O assunto literário da semana passada foi a lista dos 100 melhores livros do século XXI, publicada pelo The New York Times.
*Suspira fundo.*
Já começa que estamos em 2024. O século XXI ainda nem saiu da casa dos pais, se bobear nem um emprego decente conseguiu ainda, e já estamos fazendo lista de melhores? Vamos ter calma, pessoal.
Mas vocês lembram que em 2019, ou seja, há cinco anos, o The Guardian já tinha lançado uma lista dos 100 melhores livros do século XXI? Ah pois, teve isso sim.
E a questão que mais me pega com essas listas não é nem o fato de o século não ter nem um quarto de vida ainda, mas o critério de seleção. Porém, o que eu estava esperando de duas publicações voltadas para a classe média-alta, vinda de países anglófonos, no hemisfério norte, não é mesmo?
Os dois periódicos selecionaram livros publicados nos respectivos países (EUA para o New Yorker e Reino Unido para o The Guardian), ou seja, livros escritos já em inglês ou traduzidos para o idioma. Isso já deixa o critério bastante estreito, porque, por exemplo, a América Latina, que é prolífica e produz muita literatura, só aparece na lista do New Yorker com duas obras, ambas do Roberto Bolaño (que viveu mais na Espanha do que no Chile e ficou conhecido pela Europa). Confesso que fiquei até surpresa em ver traduções incluídas: a lista do Guardian contém 14 obras traduzidas, contra 13 do New Yorker.
Outra surpresa para mim foi ver mais autoras mulheres nas duas listas: no The Guardian, 51 obras; 52 no New Yorker.
(E, para fins de curiosidade, eu li 12 livros da lista do New Yorker e 14 do Guardian.)
Agora que tirei os dados interessantes das duas listas, vou falar do que me incomoda. Todas essas listas, listas dos “melhores” filmes, dos melhores qualquer coisa que seja que venham do hemisfério norte sempre vão ter a visão limitada (me desculpem, mas é limitada) das pessoas que costumam consumir conteúdo apenas disponível em inglês. Pesquisando, e tendo vivido na Irlanda e nos EUA, falo com tranquilidade que a pessoa média tem preguiça e relutância em assistir conteúdo legendado. Escolhem livros da lista de best sellers, quando muito das indicações que antes vinham dos cadernos dos jornais e agora vêm de booktokers, que são toda uma outra questão, para outro dia, quem sabe.
Embora eu adore uma lista e tenha ido correndo conferir o conteúdo e tenha diligentemente clicado nas caixinhas para saber quantos desses hypados eu já li, gosto de pensar que nós, leitoras interessadas em conhecer histórias do mundo, histórias além do nosso quintalzinho, não vamos nos deixar guiar por listas de jornal algum, por indicação a prêmios, por Oscar, ou seja, pelo olhar condicionado que quem não se abre, por escolha ou por falta de capacidade, a ver mais do mundo.
Nós temos o luxo de termos um mercado editorial bem estabelecido e engajado; temos traduções que se tornam referência no mundo todo; autoras que inspiraram alguns nomes presentes nas tais listas, então podemos ter acesso (claro que, infelizmente, dentro de condições econômicas limitantes) a uma fatia muito maior do mundo para ficarmos limitadas a indicações vindas de quem continua só olhando para o próprio umbigo.
Sempre que me deparo com um melhor, melhores, pergunto: melhor para quem? Nesse caso, para o mercado editorial anglófono né!
Adorei a crítica. Eu tenho uma revista da Bravo de cerca de 2010 que lista os 100 melhores contos da literatura mundial ever. É uma lista interessante, cheia de clássicos, mas longe de ser representativa pelos parâmetros de hoje. Apesar disso, guardo a revista até hoje como estímulo pra ler esses contos. Acho que o problema dessas listas é que sempre vão der enviesadas, então é só aceitar com um pouquinho de sal (nunca sei a expressão correspondente em português pra essa expressão).