Cartinha 19 - Sou de nenhum lugar
De lugar nenhum.
De onde a gente é?
A gente é de onde nasce? De onde é criada? De onde vive a maior parte da vida?
Meu filho nasceu em Dublin, Irlanda, mas quando perguntam a ele de onde é, sua resposta é São Paulo. Ele viveu em Dublin por 1 ano. Em Seattle por 6 meses. Em São Paulo até os 6 anos e meio. Como em breve fará 14 anos, ele então já viveu a maior parte de sua vida em Porto Alegre. Seu sotaque varia entre a ZL de São Paulo e o grande “magro do bonfa” (se não é da sua faixa etária, por favor joga no gugol).
Minha ex-sogra, irlandesa, avó de meu filho, sempre muito orgulhosa de suas netas nascidas nos EUA, um dia quis me ofender quando eu disse que meu filho era brasileiro, mandando um “você é de onde você nasce”. Respondi que então suas netas eram estadounidenses, oras.
Eu nasci na zona leste de São Paulo, onde vivi até os quase 21 anos. Por dez anos, morei na Irlanda. Então ZL de novo e Porto Alegre. Meu pai era de Taubaté, interior de SP, onde ainda vive praticamente toda a família paterna, e onde passávamos feriados e férias durante toda a minha infância. Meu sotaque hoje é um imenso “sei lá”. Os gaúchos sabem que não sou daqui. Muitos paulistanos dizem que soo gaúcha. Vez em quando enrolo um R. Às vezes, puxo os S à la riodejaneiro que nada explica.
Tenho 46 anos e uns quebrados, 27 dos quais vivi em SP. Então sou paulistana. E como costumo dizer, ninguém tira a ZL de dentro de mim — vou de zero a periferia mais rápido que um corsa, quando é preciso.
Então, meu filho de onde é? Agora na adolescência, as vivências das quais ele terá memória serão todas em solo gaúcho. Seus amigos e colegas são gaúchos.
O pai do meu filho abriu mão da cidadania irlandesa pela estadounidense. E aí, de onde ele é?
Quem tira cidadania italiana porque o tatatatatetravô era italiano é italiano? Suas vivências e memórias são italianas?
Se eu viver mais 20 anos em Porto Alegre eu serei daqui?
Quase falei de novo sobre “Past Lives”, porque eu assisti a esse filme cinco vezes desde novembro passado, ele me permeia. De onde é Nora? Ela é coreana? Canadense? Novaiorquina?
E Karl Ove, é norueguês ou sueco?
De onde são os refugiados que chegam a um novo país ainda bebês ou crianças? Os italianos e alemães da serra gaúcha são de onde?
Por quanto tempo conseguimos manter queimando a chama no altar de nossa terra natal?
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A cartinha de hoje é isso aí, que anda alugando duas quitinetes no meu cérebro. Obrigada por ler, e até a próxima!
Já morei em 5 estados (PR, MG, SP, RJ, RO), 10 cidades e 32 casas. Sou um rondoniense e amazônida que migrou com a família há 48 anos. Por conta do desconhecimento geográfico do povo do Sul/Sudeste, quando em férias tenho dificuldade de explicar onde moro... Explico que Rondônia fica depois do Mato Grosso, antes do Acre e ao lado do Amazonas. Se alguém consegue se situar verdadeiramente eu não sei, mas ficam impressionados! No "mundo brasileiro", portanto, há também nossas dificuldades de sabermos quem somos e de onde viemos. Grato pelo texto, Tatiana!
Eu fiquei mais de seis meses sem ir pro Sul de Minas e, semana passada, quando eu passei pela placa Minas Gerais São Paulo eu respirei melhor, meu coração aquietou uma busca que eu não sabia que eu fazia. Aquela busca pelo meu lugar de conforto. E veja, mesmo sotaque daqui, quase as mesmas pessoas tbm, e eu já tinha ido pra Minas, só que não pra minha Minas. A gente é da onde a gente deixa as raízes se esparramarem. Eu sou de lá e gosto de não ser daqui, ainda que ame morar aqui e nem pense em fazer as malas pra voltar praquela terra. Essa viagem me mostrou que ainda que eu encontre os amigos e família, eu preciso voltar, pq não são só eles que fazem falta, eu preciso da terra, das montanhas, do cheiro que não é o mesmo da infância, mas é de lá