Durante boa parte da minha vida, eu dormi mal. Desde bebê e durante toda a infância, da qual não me lembro mas minha pobre mãe, sim, que passava horas comigo à noite, contando histórias que se misturavam com sonhos, e diz que eu ainda reclamava: “A Branca de Neve não vai hum hotel, mãe”.
Da adolescência eu lembro. Noites em claro, olhando para o teto, para o padrão de luz da rua que penetrava as janelas venezianas. Ouvindo meu pai, que também dormia mal, descer escada, subi-las de novo depois de um tempo.
Não sei meu recorde de noites sem dormir, nem me importa. Parecia que eu não sentia falta do sono, não ficava cansada, não perdia memória, a vida seguia como sempre, e eventualmente eu tinha boas noites de sono seguidas.
Acho que foi pelos 25, 26 anos que comecei a dormir bem, ou ao menos “normalmente”, 6 ou 7 horas por noite.
Mas aí, perto dos 33 eu fui mãe de um bebê que também não dormia. Quando a gente conseguia 2 horas seguidas numa noite, eu me sentia renovada. Ele tampouco cochilava durante o dia, nada além de 15 ou 20 minutos. Seguiu assim por muito tempo; na pré-escola, na hora do cochilo ele era levado pelas profes para a sala do café com elas, onde se deliciava com biscoitos enquanto os coleguinhas dormiam. Mas ele meio que regulou o sono lá pelos 6 aninhos, e eu voltei a dormir bem e, mais do que isso, a precisar dormir pelo menos seis horas por noite para me sentir humana na manhã seguinte.
Acho que foi na época do ciclone aqui de Porto Alegre que voltei a não dormir. Sinto um cansaço absurdo, porque tenho trabalhado e estudado muito nos últimos dois anos, mas muitas noites eu pego no sono às 23h e acordo entre 2h30 e 3h30, e na maioria delas não volto a dormir. Acho, na verdade, que já é um sinal do climatério, cujo surgimento noto em meu corpo de várias maneiras.
E quando durmo, os sonhos…
Num deles, uma amiga vem até minha casa mas ela não tem rosto e, portanto, não me enxerga. Em outro, meu filho já adulto é meu pai. Em muitos outros, estou fazendo malas. Em tantos outros, limpando corpos feridos. Noutros, cuido de animais.
Teve um em que minha casa era invadida por mariposas, milhares de mini-mariposas com asas cor de linho cru, minúsculas, médias e imensas, e meu filho, pequeno, tenta pegá-las, e eu peço que ele tenha cuidado com o pozinho das asas, que brilha dourado como glitter por toda a casa. Algumas noites depois, são louvas-deuses, muito, muito verdes, alguns imensos como lagostas, outros pequenos, e meu filho desta vez os teme e peça que eu me livre deles, e eu passo Baygon por toda a casa, sentindo minha garganta fechar numa reação alérgica.
Numa noite, era neve, muita neve, tudo era branco e eu caminhava com neve até os joelhos, e eu vestia roupas de pele, e meus cabelos eram trançados.
Teve a noite em que eu dançava de novo, num palco imenso eu girava e girava e girava no ritmo das palmas de um público que parecia infinito.
A vida toda tive sonhos repetitivos, a ponto de alguns deles eu, dentro do próprio sonho, pensar “eu não aguento mais, de novo isto não”, e esses sonhos somem assim que eu resolvo algo na vida. Foi assim com o sonho em que eu tinha que fazer as malas, mas de repente todas as minhas roupas e coisas tinham sumido, eu só encontrava armários e gavetas vazios. E com o sonho em que eu tinha que fazer xixi, e nunca conseguia privacidade: todo banheiro onde eu acabava entrando de repente estava cheio de gente, não tinha porta, as paredes era pela metade ou derretiam, as portas sumiam.
Sim, meus sonhos me trazem informações valiosas, todos eles, mas não é fácil traduzir esse idioma onírico — as coisas não são óbvias, não adianta pegar um “manual dos sonhos” e tentar achar a resposta.
Tampouco é fácil olhar pra algo que eu preciso resolver; cansa resolver coisa. Cansa olhar pra dentro. Cansa reavaliar. Etc.
Tenho sonhado repetidamente com a ilhazinha. Sempre preciso ir de algum lugar para outro lugar, sempre passando por aquela parte de Dun Laoghaire que eu conheço tão bem que acho que conseguiria fazer o caminho de olhos fechados ainda hoje, estando mais tempo longe da Irlanda do que estive nela. Em algumas variantes do sonho, estou acompanhada (de amigas, do meu filho, dos meus pais, de gente que nunca vi, de cantores de quem eu gosto) e nós entramos sempre no mesmo restaurante para comer, ou sempre no mesmo bar para matar tempo. Tem a variante que do nada estamos em St. Stephen’s green, e de lá logo na livraria. Às vezes neva, às vezes chove.
***
Antecipando algumas perguntas e comentários:
- Não tomo remédio para dormir, não quero, durmo pesado mas acordo letárgica e perdida. Tenho um fitoterápico que usei nos meses de crise mais pesada, mas parei.
- Sei muito de higiene do sono, possivelmente tudo o que você pensar em recomendar eu já fiz.
- Sim, eu me lembro de quase todos os meus sonhos. Eu fiz muito exercício e muita prática para conseguir me lembrar deles. Mantive diários por tempos, ainda anoto alguns até hoje, mas no geral eu lembro deles com clareza.
Tenho o costume de anotar o essencial de alguns sonhos. Um deles, particularmente, gostaria que acontecesse, a despeito de não fazer ideia do "como": "8ago2024 Sonhei que estava indo para Nova York. Era alguma premiação..."
O mundo onírico tem seus mistérios e encantos. Li Sidarta Ribeiro. Li Tatiana Guedes. Não importa concluir...
Eu sempre dormi muito pouco, desde pequena - para igual desespero da minha mãe; mas esse pouco que eu dormia/durmo é sempre interrompido por idas ao banheiro (sou Maria Xixi) e sonhos. Sonhos esses que continuavam, acredite, depois do banheiro. Eu sonho com intervalo comercial.
Dormir não me faz falta, mas imagino que o não dormir tenha consequências.